Tratado o pequeno escrito acima apresentado um tema difícil de classificar, impõe-se acrescentar algumas observações:
1. O objecto do texto aproxima-se mais do que os historiadores chamam "mentalidades" do que de qualquer outra matéria disciplinar. Mas recorre-se a apontamentos etnográficos, a factos e anedotas triviais, a conceitos psicanalíticos e filosóficos, a outros da ciência política, etc. Digamos que, epistemologicamente, o campo explorado é indefinido, com uma transversalidade no trajecto de certas noções que pode ter as suas vantagens.
2. É difícil falar de "mentalidades", que são afinal forças sedimentadas no campo social e nos comportamentos (mas o que não se disse foi evidente: a que profundidade estão os diversos estratos? Qual a sua resistência à mudança? etc). Não se procurou caracterizar o ethos português, a "portugalidade", mas quando se pode descrever tal traço persistente no comportamento de um povo (falando-se então na "hospitalidade", ou na "agressividade" de tal ou tal comunidade humana), é porque as "mentalidades não foram ainda recobertas e substituídas por comportamentos cívicos, jurídicos, políticos interiorizados - o que tende a acontecer nas sociedades urbanas altamente desenvolvidas. Então as "mentalidades", os comportamentos sedimentados, equivalem a regras sociais e institucionais e devem ser tratados como tais, e não como características da "psicologia dos povos". Foi nesse sentido que se tratou cada exemplo que foi dado, cada facto-anedota descrito.
3. Porque se procurou apenas desenterrar alguns desses estratos que perduram na sociedade portuguesa contemporânea, o título engana. O tema não é "Portugal", claro, mas um ou dois aspectos dessa entidade vasta, só possóvel de abordar, aliás, por um número muito limitado de perspectivas.
4. Enfim, contrariamente ao que pode parecer, nenhum pressuposto catastrofista ou optimista quanto ao futuro do nosso país subjaz ao breve escrito agora publicado. Se não se falou "no que há de bom", em Portugal, foi apenas porque se deu relevo ao que impede a expressão das nossasforças enquanto indivíduos e enquanto colectividade. Seria mais interessante, sem dúvida, mas também muito mais difícil, descobrir as linhas de fuga que em certas zonas da cultura e do pensamento já se desenham para que tal aconteça. Procurou-se dizer o que é, sem estados de alma, mas com a intensidade que uma relação com este país supõe.
GIL, José - Portugal, hoje: o medo de existir. Relógio D'Água, 2005. p.141-142.(notas finais)
Comentários